DO ENCERRAMENTO DE EMPRESAS, ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS
Relativamente às organizações que encerraram portas sem que aos trabalhadores tenham sido informados e consultados relativamente ao pagamento dos seus salários ou à manutenção da sua relação de trabalho, é importante estabelecer as várias consequências possíveis dessa decisão.
Encerramento antes de declarado o Estado de Emergência
Antes de declarado o Estado de Emergência, no dia 18/03/2020, não existia até à data qualquer motivo ou determinação legal que impusesse o encerramento temporário ou definitivo das empresas, estabelecimentos ou serviços, daí que, as organizações que o fizeram, fizeram-no por decisão unilateral de quem as detinha. Nesses casos, devem ter-se em conta os seguintes princípios de actuação:
1. Quando o encerramento foi realizado por decisão patronal unilateral, ordenando aos trabalhadores que não compareçam no seu posto de trabalho, sem que os contratos de trabalho em vigor tenham sido cessados, nesse caso, a entidade patronal é obrigada a assumir o pagamento integral das retribuições desses trabalhadores, incorrendo no incumprimento do pagamento pontual da retribuição previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho.
2. Tendo decorrido de decisão patronal unilateral o encerramento das instalações, é esta quem deve assumir as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho, no caso concreto, o pagamento das retribuições a 100%.
3. Relembra-se também que, nos termos do n.º 2 artigo 311.º do Código do Trabalho, "considera-se que há encerramento temporário de empresa ou estabelecimento por facto imputável ao empregador sempre que, por decisão deste, a actividade deixe de ser exercida, ou haja interdição de acesso a locais de trabalho ou recusa de fornecimento de trabalho, condições e instrumentos de trabalho, que determine ou possa determinar a paralisação de empresa ou estabelecimento". Nestes casos, a entidade patronal tinha à sua disposição, nomeadamente no actual estado de emergência, a solução de "Lay Off simplificado" regulada no artigo 5.º e seguintes da Portaria n.º 71-A/2020 de 15/03.
4. Não recorrendo a esta ou outras medidas de encerramento ou redução da actividade por motivo de crise empresarial previstas no Código do Trabalho, a entidade patronal continua a ser responsável pelo pagamento pontual da retribuição, não o fazendo, está sujeita à responsabilidade criminal prevista no artigo 316.º do Código do Trabalho, cuja moldura penal pode ir de uma multa de 240 dias a pena de prisão até 2 anos.
5. A atitude de encerramento compulsivo sem que as entidades patronais assumam as responsabilidades contratuais decorrentes ou despoletem os mecanismos legais para o efeito, e que no caso do "Lay Off simplificado" não é aplicável às entidades que procederam a despedimentos por motivo relacionado com a actual crise, pode ainda subsumir-se ao conceito de "lock-out", previsto no n.º 1 artigo 544.º do Código do Trabalho, que como é do conhecimento público é proibido e é susceptível de responsabilidade criminal, para além da contra-ordenacional.
6. Assim, nos casos em que haja encerramento compulsivo, o SINAPSA considera que a atitude a assumir passa pela exigência do pagamento do salário a 100%, sendo que, nas situações em que tal não seja feito, se deve agir junto das empresa e se não se conseguir resolver o problema, deve ser apresentada queixa à Autoridade para as Condições de Trabalho e exigir desta a acção adequada.
7. Outra possibilidade, no caso de nos depararmos com uma situação de despedimento ilícito, individual ou colectivo, sem que tenham sido observados os trâmites legais, poderá passar pela interposição de providência cautelar para suspensão do despedimento, que tramita nos termos do Código do Processo do Trabalho, artigos 33.º-A e seguintes, e que, corre actualmente por se tratar de processo urgente.
Encerramento depois de declarado o Estado de Emergência
Após o decreto presidencial que declarou o estado de emergência, há que distinguir entre as organizações cujo encerramento é obrigatório e as que lhes é permitido o funcionamento em determinados moldes, como o atendimento on-line, a entrega ao domicílio ou o "take away" no caso da restauração e outros estabelecimentos comerciais alimentares.
1. Se o encerramento é determinado pela legislação produzida que regula a situação de estado de emergência, nesses casos, não estando prevista, na lei, a cessação automática dos contratos individuais de trabalho, até que sejam executados os mecanismos legais para a cessação dos vínculos laborais em causa, presume-se que estes continuam em vigor. Deve então a entidade patronal assumir as demais obrigações decorrentes do contrato de trabalho, no caso concreto, o pagamento das retribuições a 100%;
2. A hipótese para essas organizações é o recurso ao "Lay off simplificado" - referido no ponto 3 do capítulo anterior -, sendo que, como também já referido, esse mecanismo se destina à manutenção de postos de trabalho, não podendo a entidade patronal recorrer ao despedimento colectivo ou à extinção do posto de trabalho;
3. O não pagamento das remunerações até que recorram ao "Lay-off simplificado" ou até que façam despoletar os mecanismos de cessação dos contratos de trabalho previstos na lei e já referidos, faz essas entidades patronais incorrer no incumprimento da obrigação e pagamento pontual das retribuições;
4. Se a entidade patronal, mesmo assim, encerrar definitivamente o estabelecimento, informando os trabalhadores, sem qualquer formalidade ou sem as formalidades previstas na lei, esta situação representa um despedimento ilícito, podendo dar lugar à suspensão desse despedimento, através de interposição da providência cautelar referida no ponto 7 do capítulo anterior.
5. Tratando-se de um encerramento determinado pela entidade patronal unilateralmente, após declarado o estado de emergência, tratando-se de actividades que possam manter-se em funcionamento nos trâmites definidos na legislação que regula o estado de emergência, e optando essas entidades patronais por não se adaptarem a essas regras, devem aplicar-se
os procedimentos referidos no capítulo anterior para o encerramento antes de decretado o estado de emergência;
6. Nestes casos, a decisão de não adaptação da actividade económica às regras entretanto estabelecidas, passou por decisão unilateral da entidade patronal, devendo esta assumir as responsabilidades daí decorrentes.
7. Em qualquer caso, estas entidades continuam a poder recorrer ao "Lay off simplificado" e aos restantes mecanismos de apoio em situações de crise empresarial. Não o fazendo, podem incorrer na responsabilidade criminal prevista para encerramento ou redução temporária da actividade referida nos pontos 4 e 5 do capítulo anterior.
Do tratamento discriminatório em situação de teletrabalho
Em primeiro lugar, independentemente da componente retributiva que esteja em causa, a decisão de optar pela organização da actividade laboral de um trabalhador por recurso a teletrabalho, não pode colidir com o disposto no artigo 169.º n.º 1 do Código do Trabalho, que estabelece que o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, sejam relativos à organização do tempo de trabalho, seja em matéria de SST ou outras condições de trabalho.
Entre as diversas condições de trabalho integra-se o pagamento de subsídio de refeição. Enquanto prestação regular e periódica, que por esse motivo integra o conceito de retribuição - não confundir a isenção fiscal até certo montante com a suposta ausência de caracter retributivo -, o subsídio de refeição é normalmente regulado a partir de duas fontes de direito distintas: a contratação colectiva; os usos laborais. Qualquer destas fontes de direito estão previstas no artigo 1.º do Código do Trabalho e, uma vez previsto ou assumido o seu pagamento, o mesmo torna-se obrigatório.
A ideia muito difundida na comunicação social que fundamenta o não pagamento do subsídio de refeição em situação de teletrabalho, com o facto de que o subsídio se destina a apoiar a toma de refeições fora de casa, carece de fundamento legal ou mesmo jurisprudencial. Efectivamente, nem a lei, nem as convenções colectivas justificam a razão do pagamento de tal subsídio. Tal significa que essa prestação é paga porque o trabalhador, devido ao facto de prestar actividade numa determinada organização, passa a estar abrangido pelo pagamento de tal prestação. Daí o seu carácter retributivo, prevendo mesmo o código do trabalho na alínea a) do n.º 1 do artigo 260.º, por remissão do n.º 2 do mesmo artigo, a excepção que determina a integração do conceito de retribuição, quando as quantias pagas a título de subsídio de refeição tenham sido previstas no contrato - o que pode ser feito por via indirecta por remissão para uma convenção colectiva de trabalho - ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. Ora, é o que sucede com a maioria das situações de pagamento do subsídio de refeição.
Sendo o seu pagamento obrigatório, quer pelos usos, quer pelo contrato de trabalho, quer pelas convenções colectivas aplicáveis, esta prestação regular e periódica passa a integrar a retribuição do trabalhador, devendo garantir-se o seu pagamento desde que cumpridos os requisitos para tal, e que, normalmente, passam tão só pela prestação efectiva de trabalho.
Não prevendo a lei, muito pelo contrário, que se devam abrir excepções quanto ao teletrabalho, nesta matéria, até pela aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, principio interpretativo que deve estar sempre presente na interpretação das normas laborais, visto que o direito do trabalho se trata de um direito de protecção de quem trabalha, e que, nos termos do artigo 3.º n.º 3 alínea j) do Código do Trabalho, se aplica às formas de cumprimento e garantias da retribuição, é obrigatório à entidade patronal o pagamento do subsídio de refeição durante a prestação de teletrabalho.
Por fim, podemos também trazer à colação uma passagem do Acórdão 11939/16.1T8PRT.P1 do Tribunal da Relação do Porto, que refere a propósito das prestações retributivas que não pertencem à que designa como "retribuição estrita", "(...) essa prestações retributivas apenas são devidas enquanto perdurar a situação em que assente o seu fundamento(...). Ora, a esmagadora maioria das normas convencionais ou contratuais que determinam o pagamento do subsídio de refeição, fazem-no em função da prestação de trabalho, mesmo que só a partir de um determinado número de horas diárias - metade do tempo, pelo menos 4 horas, etc. -, não abrindo qualquer excepção quanto ao teletrabalho.
Por estes e outros motivos, não subsistem quaisquer dúvidas que, a não ser que a lei, as convenções colectivas, o contrato de trabalho ou os usos determinem o contrário, o pagamento do subsídio de refeição é obrigatório em situação de teletrabalho, devendo desenvolver-se todos os esforços e recorrer a todos os mecanismos à nossa disposição para garantir tal pagamento.
Tal interpretação é também extensível a todos as componentes retributivas que estão directamente conectadas com a efectiva prestação de actividade laboral, independentemente do local em que a mesma seja prestada.
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